quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Evangelho de íris


Ofélia

Há sempre um momento em que mesmo os mais fortes precisam de socorro e da ajuda do próximo.



Ofélia não tem sonhos. Mesmo que os tenha estão guardados no fundo do coração. Ofélia já não anda na escola, não conseguiu aprender mas dá em cada dia de vida uma lição de ajuda a quem a procura.
O corpo de Íris foi encontrado à porta da aldeia.
Trouxeram-na ao anoitecer ardendo de febre. Ofélia passa a noite a velar, refrescando-a, falando-lhe, tocando-a com o seu amor de menina.
Íris ouve-a, sente-se grata mas a voz parece ter-se perdido algures e não a encontra. Deixa que uma lágrima se solte e escorra na palidez do seu rosto. Com um dedo só Ofélia limpa a lágrima e limpa o medo.
A puberdade chega para Íris e estranha o seu corpo assim como estranha também aquele tagarelar à sua volta. O silêncio de Ofélia é agora cúmplice e doce. Não lhe faz perguntas somente deixa que as mãos lhe manifestem o carinho.
Aos poucos Íris começa a acreditar que a procuram. Dói-lhe, mas as palavras saem da boca sem pensar. Ofélia não entende as palavras mas compreende que a divindade de Íris não se reverencia, apenas se ama como se ama cada ser que existe.
O medo supersticioso dos aldeões começa a invadi-los.
Íris reconhece esse medo nos seus olhos, sabe que também terá de fugir daquele lugar.
Só tem em Ofélia a ajuda. Sabe que ela não a abandonará.
Procura ao amanhecer do Sol e ele no distante horizonte não lhe diz nada.
Procura no ribeiro as gargalhadas das fontes, mas só observa a água correndo apressada no seu destino.
Procura nas flores o seu perfume mas este mistura-se no ar com os outros cheiros e confunde-a.
Procura nos animais a sua alegria mas, eles enterraram-na nas luras mais profundas.
E as rochas estão sólidas, sem sorrisos, no mesmo lugar. Imutáveis. Só o medo dos homens é igual ao medo dos homens de Geração.
O espírito verde surge-lhe naquela manhã. Indica-lhe o caminho da estrada que a levará à vila. A estrada é mais larga que o carreiro mas não deixa de ser um caminho. Íris pede a Ofélia que a acompanhe, que deixe a aldeia para trás porque ali o medo torna os homens pequenos. Ofélia dá-lhe a mão, não se despede de ninguém porque os leva consigo na alma. Juntas iniciam a jornada. Em todas as estradas há um fim que se abre para uma nova aldeia. Em cada aldeia há homens que procurarão a palavra de Íris, a ajuda de Ofélia.

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