domingo, 7 de março de 2010

O caminheiro


O valor do desconhecido



Acordou muito depois. Teriam passado dias ou horas? Agora já nem sabia o que era o tempo. Estava fraco, desiludido, completamente derrotado. O seu instinto de sobrevivência dizia-lhe que era necessário abrir as cortinas daquele sonho mas o seu pensamento ultrajado prendia-lhe os movimentos.
Todo o seu corpo lhe doía.
Lembrou-se então do pequeno livro e meteu a mão ao peito para o retirar. O livro ali estava, miraculosamente salvo depois de toda aquela aventura.
Abriu-o.
Leu.

“Toda a porta tem uma fechadura
da qual cada um possui a chave.
Se a tua alma se mantiver pura
é então possível que acabes
por encontrar a verdadeira saída.
Se choraste, é porque sofreste.
Abriste a sagrada ferida.
Meu irmão, então, venceste!”

Que vitória era esta que o fazia sentir-se perdido?
De dentro de si ouviu uma voz: “ quando se reconhece a dor é porque se está prestes a acordar.”
Uma angústia imensa envolveu-o. Uma tristeza amarga invadiu-o. E voltou a chorar. Agora silenciosamente, ininterruptamente, com lágrimas grossas escorrendo devagar por todo o seu rosto enquanto da sua mente se libertava um peso enorme.
Deixou de ouvir o burburinho da cidade, as imagens dissolveram-se numa atmosfera limpa e ele encontrou-se em frente a um ribeiro saltitante no meio de uma floresta antiga. Que lugar era aquele? Onde estavam a gruta e a praia que havia percorrido?
Era um novo sonho ou a sua vida real?
Percebeu que não valia a pena tentar compreender. A sua salvação estava no facto de aceitar sem questionar.
Deixou de sentir dores, de sentir medo, de sentir alguma coisa como sua... usufruía a partir de agora o Todo.
Aproximou-se do ribeiro e olhou-o atentamente. Reviu a sua imagem ondulando. Sorriu. Despiu-se e cuidadosamente pôs as suas roupas dobradas na margem. Entrou nas águas e deitou-se no seu leito. Uma imensa sensação de paz tomou conta dele.
Agora já não tinha visões, nem pensamentos. Agora só tinha emoções.
Sentiu-se forte, seguro, limpo. Fechou os olhos não para dormir mas, para poder receber ainda mais intensamente toda aquela calma e ternura.
“ Eu sou o que sou.”, pareceu-lhe ouvir, muito ao longe, como num eco perdido.
Quando saiu do banho purificador, vestiu-se e voltou a caminhar. Agora já não tinha mais nada de seu senão aquela roupa e aquele livro.
Ainda não tinha dado muitos passos quando à sua frente encontrou um homem. Cumprimentou-o. O outro respondeu-lhe.
- Para onde vai? – Perguntou.
- Ainda não sei. – Retorquiu o outro.
- Bom. Nesse caso acompanhá-lo-ei.
E foi assim que lado a lado os dois homens percorreram o caminho.
Nem um nem outro falaram.
Ambos pareciam cheios de algo que não partilhavam.
A noite apanhou-os desprevenidos em plena floresta. Acenderam
uma fogueira numa cúmplice decisão.
Cada um recostou-se ao tronco de uma árvore próxima mas nenhum foi capaz de falar. Nenhum descerrou as pálpebras. Ambos esperaram pela aurora doce e partiram.
No fim da estrada poeirenta havia uma bifurcação. Cumprimentando-se de novo, cada qual seguiu o seu rumo.
O Nada poderia estar em qualquer lado...

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