sexta-feira, 5 de março de 2010

O Caminheiro


A água espelho de si




Tudo o que via à sua volta eram rochas batidas com violência pelo Oceano agitado. Não fazia sentido! Aquele pequeno texto deveria ser profético. Como deveria ele orientar-se? Talvez estivesse demasiado cansado! Acomodou-se então o melhor possível e fechou os olhos na esperança que a meditação o levasse à resolução do problema.
A princípio só conseguiu ouvir a cadência das ondas, os gritos das gaivotas, o rastejar de um ou outro lagarto e o gemido das conchas a abrirem-se, o estalar do sal sobreaquecido. Depois como se alguém lhe sussurrasse uma mensagem, ouviu: “por vezes o que procuramos fora está dentro.” Sobressaltou-se um pouco mas voltou a sossegar o espírito. E continuou a ouvir: “ O espaço é multidimensional. Não procures sempre em frente.” Abriu então os olhos e com maior atenção olhou em todas as direcções. Quando se voltou para trás e viu a escuridão da gruta pensou: O mundo continua para além do infinito. A negrura da entrada da gruta chamou-o.
Entusiasmado, arrumou tudo e entrou na sua profundidade. Nunca tinha explorado grutas mas não teve medo.
A passagem era estreita e as arestas arranhavam-no. Acendeu um coto de vela e a sua luz frágil assustou os pequenos animais que ali viviam. Entrou numa espécie de túnel apertado e húmido percorrendo cautelosamente esse espaço com a esperança a empurrá-lo. O túnel fez-lhe perder a noção do tempo. Só quando se sentiu completamente esgotado lançou um grito à divindade. O grito ecoou por um tempo indeterminado e de repente uma corrente de água respondeu-lhe. As forças dobram-se-lhe e arrastaram-no aos tropeções até ao limite.
O que encontrou fê-lo suster a respiração. Sentiu a cabeça andar à roda e os músculos agitaram-se independentemente da sua vontade.
Encontrava-se num átrio de forma oval onde cascatas de água cristalina se desprendiam de uma enorme altura alimentando um lago que ficava situado no semicírculo menor daquela área. Uma vegetação de algas e fetos forrava as paredes. A própria rocha era raiada de cores brilhantes por causa da variedade de minérios seus desconhecidos. Variavam entre o azul, o verde e o turquesa, passando por um rosa pálido. Sentiu-se dentro de uma concha de madrepérola! Havia uma ténue luminosidade que ele não soube explicar, pois de onde se encontrava não via nenhuma abertura, nem sequer uma racha por mais fina que fosse.
Entrara ele no reino?
Estendeu a mão direita e tacteou demoradamente a polidez da rocha. Não era exactamente fria, talvez um pouco húmida e pareceu-lhe até que emanava um calor morno, como se de um ser vivo se tratasse. Esse contacto enturbilhou dentro de si ideias e sentimentos contraditórios. Se por um lado era maravilhoso estar ali a contemplar o que homem algum contemplara, por outro sentia uma espécie de ansiedade que o incitava a vir para fora clamar por toda a gente e mostrar orgulhoso o seu achado.
Senhor de um segredo pela primeira vez, sentiu-se único. Todavia se aquele era o reino, teria que o explorar ainda mais, conhecer todos os seus detalhes, intelectualizar os seus receios e espantos.
A água molhava-o agora por inteiro, escorria do seu braço levantado para dentro da sua roupa e metade de si estava completamente encharcada. Num impulso de curiosidade, estendeu também a outra mão, encostou todo o seu corpo à parede curva e ficou debaixo da cascata que o baptizava com mistério. Passo a passo percorreu todo o perímetro da sala.
Tinha dado quase a volta inteira quando encontrou rente ao chão uma outra entrada. Deitou-se e espreitou para ver se havia alguma possibilidade de descer. A abertura era triangular e o seu corpo cabia embora com algum esforço e habilidade. Primeiro enfiou as pernas balançando-as para ver se encontrava algum apoio. Não havia. Voltou a sair e debruçou-se desta vez de cabeça para baixo. À medida que os seus olhos se habituavam à escuridão, pode vislumbrar uma espécie de rampa diagonal por onde, arrastando-se e contorcendo-se, conseguiu finalmente deslizar. A descida era lenta e não fazia a menos ideia do que iria encontrar. Uma luz difusa indicou-lhe então a saída, ultrapassou-a ofegante.
Quando atingiu o outro lado entrou num mundo novo e desconhecido. Pareceu-lhe uma cidade. Centenas de pessoas andavam de um lado para o outro atarefadas nos seus afazeres diários. Pelo aspecto pareciam de um outro tempo, de um outro espaço, as suas roupas e calçado lembravam as gravuras que tinha visto num museu e que retratavam cenas da Idade Média, contudo possuíam apetrechos e tecnologia bem recente. Ouvia-os falar numa língua estranha e admirou-se com a agilidade dos seus movimentos. Aproximou-se delas mas ninguém parecia notar a sua presença. Quis chamar a atenção gesticulando, mas nada do que fizesse parecia ter resultado. Numa das ruas havia uma loja com caixotes de fruta à porta, ao ver tão belas maçãs sentiu-se salivar pegou numa delas para a levar à boca, mas ao fazê-lo a sua imagem desfez-se. ficou surpreendido e esfomeado, voltou a repetir o acto anterior com outros frutos mas tudo se desvanecia...
Pareceu-lhe uma tortura. Um pesadelo! No entanto a sua fome e o seu cansaço eram bem reais. Deambulou desesperado pela cidade e por todo o lado sentiu que não existia. Completamente exausto regressou à gruta. Não a encontrou. Então como um menino, chorou, chorou convulsivamente, gritando, batendo-se, insultando-se...
Caíra na armadilha dos Magos!

Sem comentários: