terça-feira, 16 de março de 2010

O Evangelho de Íris


Constância e Ema



A perseverança e o trabalho são as chaves que abrem a porta ao sonho para este entrar no real.




Constância é coxa. Tem uma perna mais curta que a outra, mas isso não a impede de percorrer quilómetros na cidade e de estar sempre onde é necessária. Teimosa, não desiste nunca dos seus objectivos. Inventa todas as formas que dão corpo aos desejos dos outros.
Ema, qual abelha laboriosa, não pára nunca. Obreira incansável, tem no ócio o seu pior inimigo. Constrói e reconstrói mil vezes a matéria sólida que sustenta a vida.
Num mundo de multidões como é a cidade, tratam por tu toda a gente e chamam-lhes amigos.
Quase não têm vida própria, as suas vidas são as vidas de quem servem, como se fossem essas as suas únicas missões. Por isso são procuradas por todos e esquecidas em seguida. Porém o despeito não entra nos seus corações. Aceitam essa atitude, naturalmente, sem esperar nada em troca.
Durante o reinado de Íris ouviram os seus discursos e sentiram o impulso de a seguir. Modestamente, colocam-se na retaguarda das peregrinas, prestando-se nas suas virtudes, sem palavras. Como oásis no deserto, servem os alimentos simples e a água fresca que revigoram o equilíbrio daquela que jejuara toda a semana.
Íris está fraca, triste e sem voz. Mas tem o braço de Ofélia que a ampara. Mas tem o ombro de Leonor onde chora. Mas tem as palavras consoladoras e animosas de Vera e Andreia e, tem agora os membros do seu corpo em Constância e Ema.
Os sete raios iluminam a sua cabeça.

No lugar onde repousam há água limpa e frutos maduros.
No lugar onde repousam há uma lapinha que as abriga do sol e da chuva.
O lugar onde repousam fica situado numa colina e daí, lobriga-se a extensão da terra até ao limite de outras colinas.
Íris e as companheiras estão saciadas.
Íris e as companheiras, na amenidade do lugar, reflectem sobre a cidade e...turbam-se.
Íris e as companheiras lançam o olhar para além do vale e interrogam-se entre si se devem continuar a semear a Palavra na terra.
- Como podemos levar aos homens o socorro e a ajuda nas suas dores, se eles vestem couraças de orgulho?- Pergunta Ofélia de voz tremida.
Constância que penteia os cabelos de Íris responde:
- Em todas as couraças há costuras. Em todas as costuras, orifícios, onde uma agulha fina penetra e entra. Sejam as nossas palavras agulhas penetrando no seu orgulho e elas percorrerão o corpo inteiro dos homens.
- Como podemos nós levar o consolo aos homens, se o sofrimento lhes endurece os rostos e trava-lhes as lágrimas?- Pergunta Leonor de voz magoada.
Constância que entrança os cabelos de Íris responde:
O sofrimento abre nos corações dos homens a compreensão, no entanto quando ele é demasiado, fecha-os e cerra-lhes os maxilares de desespero. O sofrimento deve ser dado em doses certas. Cada um, por isso, deve aliviar as dores dos outros. Só dessa forma as lágrimas se enxugarão e as bocas se abrirão coniventes num sorriso.
- A verdade, minhas irmãs, a verdade é que os homens sustentam dentro de si monstros escuros que iludem a verdade e os induzem ao erro. Outros, antes de nós vieram e falaram. Cegos os homens não os expulsaram!- Grita Vera revoltada.
Constância que enfeita as tranças de Íris, pára um momento e coloca sobre o ombro de Vera, a mão. Depois responde:
- Não há monstros nos peitos dos homens. Se os houver, também há anjos, que os incitam para a verdade. Os homens são seres frágeis por isso os que vieram antes de nós e nós mesmas, temos que os auxiliar a verem claro.
Quando o conseguimos, Vera, os homens calam os monstros e deixam os anjos falar.
- É isso!- exalta-se Andreia- É isso. A nossa função é abrir os olhos, abrir os ouvidos e abrir as suas mentes para que distingam correctamente as diferentes vias e possam escolher livremente e sem medo.
Constância corre a abraçar Andreia e diz com embargo na voz:
- Querida irmã corajosa, como sabes bem o que é preciso fazer! O que é preciso é não desistir, fazer e refazer um milhão de vezes se for necessário. Outros virão depois de nós para continuar a mudar o rumo dos transviados. Somos nós que temos que recolher os pedaços de ilusão e colá-los de novo tornando-os no primordial objecto.
Só assim o Divino nos poderá enviar o conhecimento através da certeza do nosso pensamento.
Ema, que estivera calada todo o tempo, providenciando o conforto de cada uma, sente que é a sua vez de falar e dela saem palavras serenas:
- Alegra-me ouvi-las nas vossas resoluções. Alegra-me ouvi-las nas vossas certezas. Mas além deste lugar, há outros lugares que ainda não acolheram os nossos passos. É preciso que a Palavra ande, não fique só no ar que respiramos.
Levemo-la connosco sem tardança. Urge o tempo de a lançar.
Íris aplaude emocionada as suas amigas. Resolve que é hora de regressar ao mundo dos homens. Abraça uma a uma agradecendo-lhes e dá ordem de partida.
O sol, que até aí estivera encoberto pelas nuvens, desvia-se e lança lá de cima a luz branca e quente que as anima.

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