domingo, 7 de março de 2010

O evangelho de Íris


A expulsão




A turba enfurecida varre da cidade os vestígios da festa.
Os gritos de admoestação enfrentam os rostos da fantasia.
É preciso destruir a Palavra subversiva que destrói o equilíbrio da pirâmide. Chegados ao palanque iniciam o auto de fé usando como combustível os mantos coloridos.
É preciso eliminar a cor. A cor que exaltou os corações e fez nascer a inquietação.
- A Rainha falou no vermelho!- Grita o sumo sacerdote, iniciando o ofício.
- Sim- respondem os crentes- chamou-nos hipócritas e disse que o fogo nos redimiria e purificaria...
- Meus filhos, amar o fogo é um grande pecado!
- É pecado. É pecado!- Contritam-se gritando, os crentes.
- A Rainha falou no laranja?- continua o sumo sacerdote exortando à confissão.
- Sim- responderam os crentes- chamou-nos ignorantes e cobardes, e falou que o grande centauro nos defenderia, nos guiaria...
- Idolatrou o Centauro, ouviram? É pecado!
- A Rainha falou no amarelo...- Ironiza aquele que comanda os homens.
- Sim- respondem os crentes- fez-nos acreditar que nos poderíamos tornar estrelas e que essas estrelas seriam divinas!
E falou ainda- continua venenosamente o chefe- Que o fogo, o centauro e a estrela eram símbolos de força. De uma força que poderíeis controlar. Isso não é pecado, é blasfémia!
- É blasfémia! É blasfémia!- Desesperam-se os homens arrepelando os próprios cabelos!
Alterando a forma agressiva dos primeiros momentos, o sacerdote torna-se viperino e a voz sai-lhe como um silvo ameaçador.
- ...Mas a Rainha falou também no verde maduro da paciência...
- Sim- indignaram-se os homens- comparou-nos às plantas nas trevas incapazes de crescer onde queremos. Nós os privilegiados da criação divina!
- ... E a Rainha falou na suavidade do azul!
- Sim- troçaram os homens- comparou-nos a anjos flutuando no céu. Como se não trouxéssemos em nós o pecado original e o não resgatássemos já convosco, Senhor.
- ...Também, também falou no anil que vos tornaria iguais...
- Sim- arrogaram-se alguns- quase nos convidou à promiscuidade, como se não houvesse diferenças entre nós.
- A Rainha insinuou o violeta, a cor do ideal!
- Ah!- Queixaram-se os homens- Quase nos levou à exaltação através da Palavra. Quase que dominou as nossas mentes com a magia do seu discurso.
- Blasfémia! Blasfémia!
- Ergamos sobre ela o punho cerrado da indignação.
- Queimemos o seu rasto com a ortodoxia dos nossos pais.
- Destruamos a cor que nos confunde!

Íris, a Rainha das sete cores tornou-se mal amada.
Os homens da cidade perseguem-na, mas os sete espíritos coloridos enviados pelo divino, encandeiam-os e barram-lhes o caminho. Não chegou ainda a hora do sacrifício daquela que traz consigo a Palavra.
A cidade foi um logro.
Íris sabia-o desde o começo!
Agora já não está só, leva consigo as virtudes companheiras que não a abandonam.

Sem comentários: