sexta-feira, 22 de maio de 2009

Telmo, o marujo

Uma cidade quase desconhecida


Quando o navio atracou era quase manhã. Uma neblina violeta banhava-nos, fazendo-nos estremecer. Jerónimo e eu descemos a rampa e pisámos o cais.
A primeira reacção que tive foi uma espécie de vótimo devido ao cheiro forte e desagradável que recebi. Depois, como por instinto dirigi-me a casa de meus pais.
Lá estava ela, degradada, suja e meio abandonada. O toldo vermelho tinha agora uma cor indefinida, a loja estava entaipada, olhei o meu amigo e ele parecia indiferente às minhas emoções.
- Jerónimo, o meu corpo gela e a minha alma treme…
- O teu corpo é forte e, a tua alma, está preparada para o que tens a fazer. Usa a tua luz interior para te acalmar e agir.
- Como é que me irão receber? Provavelmente pensarão que sou um fantasma! Além disso a minha roupa não se parece nada com que esta gente usa!
Jerónimo ergueu os braços e, ao baixá-los, envolveu-me numa nuvem de poeira esbranquiçada. Instantaneamente vi-me vestido com fato de fazenda escura e de pouca qualidade. Surpreendido, percebi que só eu me transformara. Jerónimo continuava igual. Ele sorriu e disse-me:
- Não te admires, poucos perceberão a minha presença. Aliás tens que ter cuidado porque se começares a falar comigo ao pé dos outros pensarão que estás louco!
Respirei fundo, tinha que provar que a minha estada no Arquipélago do Ocaso não havia sido em vão. Bati duas vezes na madeira corroída da porta.
Algum tempo depois ouvi de dentro uns passos arrastados e o tossicar de uma mulher.
Quando abriu a porta olhou para mim como um estranho. Estava tão velha que me impressionou. Com a garganta apertada, murmurei:
- Aceite, minha mãe, o regresso de seu filho que tanto tempo esteve afastado.
A minha mãe recuou uns passos e empalideceu.
- Como pode ser? O meu único filho que desapareceu aí pelo mundo foi Telmo. E, esse morreu num naufrágio há mais de quinze anos!
- Salvei-me, minha mãe, salvei-me! Olhe bem para mim… claro que me tornei um homem… mas algum sinal deve haver em mim que confirme a minha identidade!
Ela observou-me com mais atenção, sobretudo o rosto, os olhos…e foi aí que deu grito:
- Os teus olhos… os teus olhos são iguais! Entra e vem ver a miséria em que me encontro!


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