sábado, 11 de abril de 2009

O suspiro de uma cadela


8. Ruidoso, violento, agressivo, era o vento, batendo em rajadas por toda a cidade estremecida!

Há muito tempo que um temporal não desencadeava tanto pânico. Nas ruas não se via vivalma, acobertadas que estavam no seu medo. E nós, os cães de rua, encolhidos nos recantos mais escondidos, enrolávamo-nos tiritantes uns nos outros.
Juntamente com a ventania, o céu desfazia-se em bátegas furiosas que doíam nos corpos e inundavam as sarjetas. E era Abril!
Éramos cinco enrodilhados juntos, tentado rijamente não nos deixarmos levar pelo vendaval. Conhecíamo-nos intimamente e, naquele momento era preciso que formássemos um muro sólido contra a intempérie.
O Inverno passara, as defesas já se tinham alargado, o pêlo já secara, ninguém previra esta loucura, fôramos apanhados na ratoeira do tempo, porque era Abril.
O dia tornara-se noite debaixo da negrura das nuvens. A pacatez tinha dado lugar à aflição e, sobretudo o medo, escancarava-se escandalosamente na cidade. Houvesse o que houvesse, éramos cinco. O universo que nos parecia pequeno até há pouco, tornava-nos, agora pequenininhos. Os raios rasgavam a cidade de lado a lado, abria-nos os olhos com a sua luz acutilante. A cada ribombar todo o nosso tamanho diminuía, ninguém se atrevia a erguer o focinho. Mas como éramos jovens, acreditávamos que no final da tempestade viria a bonança, tal como nossos avós nos ensinaram. Mesmo que essa tempestade tivesse vindo na primavera. Por isso, logo que tudo amainou, ladramos alegremente e percorremos as ruas em ar de desafio. O ar, cheirava bem, como se tivesse acabado de tomar um banho, e sol riscou com uma força nova o nosso olhar. Era Abril!
Durante os dias que se seguiram os homens pareceram-nos generosos porque repartiram connosco os restos das suas riquezas. Afagavam-nos, falavam-nos e riam para nós. De manha, ou de tarde, ou de noite, ou de madrugada, passeávamos pela cidade e convivíamos em boa paz tanto com os gatos como com os ratos. Era Abril e a primavera espicaçava-nos a alegria.
Éramos cinco, depois fomos cinquenta, e creio que chegámos rapidamente aos quinhentos, tanta era a nossa ânsia em ladrarmos em coro e copularmos numa comunhão total. Era bom. Tão bom que guardei na memória, dentro de mim, esses risos e abanares de cauda. Como era belo o Abril de outros tempos!

Sem comentários: