sábado, 4 de abril de 2009

Telmo, o marujo

Catarina, a incorromptível
Depois de um breve repouso, eu e Catarina continuamos o nosso trabalho. Desta vez dirigimo-nos a um bordel, onde uma mulher de aspecto doente se oferecia sem paixão ao acto sexual, pago à hora. Perturbei-me com a cena e desviei o olhar.
- Não é por deixarmos de ver que as coisas deixam de existir, Telmo. Para corrigir erros e aprender, é necessário saber o que nos leva a prevaricar. – Disse-me Catarina.
Consumado o acto, o homem partiu e a mulher ficou. Dela exalava o cheiro da doença e do sémen desperdiçado. Na solidão em que se julgava, rompeu num choro convulso resultado da impotência e do desespero.
Catarina aproximou-se dela e acariciou-lhe o rosto e suavizando-lhe as dores. A mulher parecia uma menina desamparada e, mesmo sem perceber quem a acarinhava, deixou-se embalar pela Seguidora. O hálito Que Catarina soprou sobre ela fez com que a desgraçada fechasse os olhos e se desprendesse.
Rapidamente a beleza da mulher se tornou evidente e os estragos da vida a que entregara se desvaneceram. Ergueu-se mas, quando nos viu, caiu de joelhos envergonhada e deixou que as suas lágrimas rolassem silenciosas de um modo sincero. Mostrou-se grata pela nossa presença.
A Seguidora ergueu-a docemente e abraçou-a até que alguém que a mulher reconheceu, veio ter com ela e a levou para outro lugar. Sobre o colchão, o corpo jazia sem vida. Tapei-lhe o rosto com o lençol encardido e limpei os meus olhos.
- Ela agora está em paz. O véu de carne rasgou-se e deixou-a livre. Acabou-se tudo com a sua morte. – Disse eu em jeito de conclusão.
- Não. Não é bem assim, Telmo. Nem todos despertam. Nem todos os sofrimentos trazem amanhãs felizes. Depende sempre de como se encara o sofrimento. Só aqueles que o entendem como etapas do seu crescimento, é que conseguem reconhecer outros caminhos.
- Eu sei, Catarina! Mas fico admirado como é que tu lidando constantemente com a miséria humana te manténs tão pura! Posso perguntar-te porque escolheste tu, este serviço e que tem ele a ver com a via do Conhecimento? Entendia-o melhor com Helena ou Irene!
- Não. Sou eu que desperto os homens para o Conhecimento real. É através de mim que as imagens e sensações do passado, desfilam nas horas mais críticas, para que todos possam recordar quem verdadeiramente são. É verdade que me chamam Incorruptível, mas eu não me considero assim. O facto de permanecer muito tempo nas zonas sombrias e degradadas leva-me a aprender estratégias de acção e, não me corrompo porque, ao invés de os considerar menores, os tenho como iguais. Eu mesma, numa época remota, também sofri e fiz sofrer como eles.
Sei o que é o prazer doloroso do vício e do poder. Sei o que significa a violação das regras, porque um ia também me sujei nesse lodo e aprendi dolorosamente a reconhecer os meus erros e a evitar cair no abismo. Não me julgues isenta de tentações, e não tenho caído de novo, é porque já conheço as ciladas. O meu nome não significa pureza, mas a força e o conhecimento que afastam do que está errado. Conquistei-o como se lapidasse um diamante e, doeu muito a consegui-lo!... Cada golpe, cada raspagem… me limpou!
- Mas agora, rebrilhas, reflectes o sol em cada uma das tuas faces. Quem me dera absorver essa luz e ser também eu, uma jóia do tesouro divino! Compreendo agora que o Conhecimento só pode ser adquirido com o exercício da coragem e do amor incondicional. Realmente de que serve ele não nos levar a desejar uma luz mais pura!
Foste tu, que ao roçar entre os tojos, deixaste nos seus espinhos parte de ti. Eles são sinais de esperança para aqueles que os encontram. E, és também, a água límpida do rio que lava a lama e descobre as pepitas de oiro que enobrecem a vida. Oh Catarina, escondida no teu corpo modesto, és ainda mais bela!
- Meu caro Telmo, quanta exaltação nesses teus comentários! Apenas faço parte e um plano que permite aos homens transformarem-se. Hoje fui mansa e terna mas, às vezes a minha justiça é dura. Se for preciso também sou capaz de empurrar os homens para as ravinas provocando o susto e a dor. Se isso lhes mostrar a verdade, claro!
Sorri e passei-lhe o braço sobre os seus ombros e murmurei ao seu ouvido:
- Que forte és, frágil Catarina!

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