terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Mito e Tabu



Cada uma destas palavras tem vindo a ter o seu sentido modificado ao longo dos tempos passando para a linguagem corrente, mais propriamente, para a linguagem política e jornalística. Até aqui nada de grave. A Língua é assim mesmo; volúvel, recria-se em dinâmicas impossíveis de prever. A maioria das línguas latinas deriva do vernáculo que assimilaram as linguagens temporais e locais com o passar dos anos, com isso valorizaram-se e distinguiram-se do erudito latim.
A nossa Língua bebeu de muitas fontes, deu e recebeu contributos, o que faz dela, uma das Línguas mais ricas do mundo moderno.
Eu que gosto de brincar com as palavras e que sempre me entusiasmou esta forma de comunicação, tenho dificuldade em aceitar as opiniões dos puristas porque eles parecem desejar o imobilismo, a cristalização e isso provoca um desfasamento entre a realidade e apregoada pureza das suas origens.
Segundo a História e Arqueologia, em muitas culturas havia pelo menos duas línguas: a língua que a elite mais elevada utilizava entre si quer na forma oral, quer na forma escrita e, a língua com que o povo comunicava. Dessa forma, os estratos sociais vincadamente definidos eram detentores de códigos diferentes, sendo a língua um património próprio e distintivo de um grupo.
Hoje mesmo, subsistem linguajares, dialectos e variações linguísticas que nos direccionam de imediato para este ou para aquele grupo social, étnico ou regional.
Não me incomoda nada o vocabulário esotérico das diversas gerações de jovens, a juventude é um período demasiado fugaz para que nos preocupemos com isso! Logo que se integram na sociedade adulta, todos os jovens irreverentes ou não, são capazes de se adaptar ao discurso “oficial”da sua classe.
Também não me perturba a maneira como os fazedores de opinião pública (jornalistas, políticos, comentadores, entre outros…) ressuscitam vocábulos anteriormente eruditos e os lançam na linguagem de todos os dias. Claro que de início surge a estranheza, alguma dificuldade em perceber a nova roupagem dos seus significados, mas depois, todos acabamos por os utilizar sem quaisquer complexos.
No entanto, o que eu gosto mais, é a liberdade poética/científica dos neologismos. Eles surgem para preencher vazios e vêm geralmente para alegrar, espantar e provocar,
Venho com este discurso todo chamar a atenção de duas palavras ouvidas nos últimos dias com alguma persistência e que se despiram quase totalmente dos seus trajes iniciais: A primeira é mito.
Palavra que na sua origem designa uma parábola em linguagem simbólica que pretende explicar o inexplicável, justificando ou orientando os homens para o conhecimento social, científico e religioso que pertencem a uma determinada comunidade. Normalmente os transmissores dos mitos eram os homens mais sábios, mais velhos ou os que detinham o poder espiritual e temporal. Hoje a palavra mito tem uma simbologia diferente, quase se confunde com ídolo, aplica-se a tudo que se crê pouco real, usa-se para fugir às explicações menos cómodas, ou àqueles que se notabilizam em áreas que vão do futebol ao cinema. Ganhou duas vertentes e nenhuma delas tem a ver com o significado que ainda hoje vem escrito nos nossos velhos dicionários.
A outra é tabu. Acredito que esta palavra só tenha chegado ao nosso conhecimento depois de termos entrado em contacto com os povos aborígenes, pois tabu, é uma espécie de passaporte para a iniciação. A palavra ou o conceito proibido revelador de mistérios entre a divindade, o mundo dos mortos, os espíritos da natureza e o homem comum. Também aqui, só quem conhecia a essência do tabu ou a sua importância, era alguém com elevado estatuto sócio-religioso, como o xamã, o sacerdote, o monge de alta hierarquia, o chefe da tribo ou do clã.
Actualmente a palavra tabu é a porta fechada para uma conversa que não se quer ter, o travão para possíveis especulações e, muitas vezes, nem sequer quem a pronuncia, sabe exactamente o que dizer.
Estas duas palavras têm personalizado culturas, os seus valores e condutas, vale pois a pena, debruçarmo-nos sobre elas e reflectir se mudaram assim tanto, pois o senso comum diz-nos que apenas transferimos o “sagrado” que elas encerravam em si para outro “sagrado” bem mais material da nossa Era de brilhos sem luz interior.

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