domingo, 8 de fevereiro de 2009

Telmo, o marujo

Olhar como Gisela (1ª parte)

Naquela tarde o céu era uma enorme mancha dourada salpicada de vermelho. Nunca o tinha visto assim, o recorte das colinas e dos vales confundiam-se com céu parecendo que nos encontrávamos todos numa mesma superfície sem relevo!
A brisa morna trazia consigo poeiras luminosas que planava e poisavam aqui e ali cintilando nos lugares.
Eu estava sentado no terraço do edifício principal e estava a ter dificuldade em disciplinar o meu espírito e o meu corpo. Queria fazer os exercícios de meditação que me recomendaram mas perante este espectáculo, distraia-me frequentemente. Aquele era o lugar que eu elegera para esse tipo de actividades porque não só era sossegado como também me permitia num só olhar, abarcar as corcovas da Ilha do Labor e o mar purpúreo que aprendera a amar. Do lado direito recebia o aroma dos frutos do pomar e, do meu lado direito a profusão de cheiros emanados das flores dos canteiros.
Foi daí que senti a presença dela. O suave deslizar do seu caminhar, feminino… Gisela, a branca imaculada, destacava-se do fundo irisado e tornava-se um lírio alto acima da profusão colorida do jardim. De cabelos lisos, cor de mel, bailando a cada um dos seus movimentos, de olhos azuis lembrando o mar da minha infância… a sua silhueta esguia às vezes perturbava já o meu olhar de rapazinho. Havia um desejo escondido que ainda era incapaz de compreender. Sabia que não era só admiração, pois junto dela tremia e confundia os pensamentos, mas não sabia definir o que sentia e isso deixava-me nervoso!
Quando chegou perto de mim, cumprimentei-a com as faces coradas, ela sorriu e correspondeu à minha saudação com um gentil aceno e fez-me sinal para que a seguisse.
Nem questionei a razão desse convite e apressei-me a seguir com ela pelo caminho que ia dar a uma gruta que eu nunca me atrevera a explorar. Antes de entrarmos, Gisela deu-me a mão e pediu-me que observasse tudo com muita atenção.
A escuridão envolveu-nos de imediato. Depois, de pouco a pouco, uma luz ténue foi-nos orientando. As paredes encontravam-se sapientemente lavradas pela natureza. Rebrilhando no tecto, cachos cristalinos faziam lembrar jóias multicolores incrustadas em relevos caprichosos. Percorremos um estreito corredor que nos fez desaguar num átrio onde um lago em forma de estrela de sete pontas reflectia os pontos de luz e entre os triângulos surgiam raios de luz tal qual o espectro solar. A água do lago, escura e lisa, funcionava como um diamante gigantesco.
Fiquei aturdido, tão fascinado que nem pestanejava. O refulgir das luzes encandeava-me e turvava-me o pensamento. Fiquei incapaz de organizar qualquer frase. Lembro-me que me curvei os braços sobre o peito e que comecei a transpirar, custava-me respirar e foi preciso que Gisela me ajudasse a recuperar e regressar a mim.
- A beleza em extremo pode levar à loucura, Telmo. Principalmente se não se estiver preparado para ela. Apesar disso, a todas as horas, os milagres de beleza se desenrolam ante os nossos olhares e são muitas vezes incompreendidos devido à sua enormidade… que outras coisas de mais belo que este lago e esta gruta? Que outra imagem te afectará como as que acabaste de ver?
- Não sei, Gisela, há tantas coisas que desconheço… ouvi dizer que no fundo dos oceanos há plantas e animais maravilhosos, que no interior da terra se escondem tesouros deslumbrantes, que nas selvas e nos desertos existem flores e seres tão delicados que emocionam até os mais empedernidos, mas eu sou tão jovem e tão pouco experiente que nunca me foi dado confirmar a verdade dessas informações. Desconheço o universo em que vivo e deve ter sido por isso que reagi assim, foi tão inesperado!...
- Há belezas maiores que as que mencionaste entre o mais longínquo universo e o mais profundo dos planetas. Há espectáculos cuja magnitude se tornaria indecifrável até para cada um de nós. Olha, experimenta olhar mais uma vez para dentro destas águas. Verás tu próprio, um dos seres que reina sobre nós e cuja beleza está no espírito que o envolve. Demora o tempo que for necessário para te preparares, segura a excitação e acredita sinceramente que todos fazemos parte deste reino.
Ajoelhei-me com Gisela na borda do lago, agarrei o rebordo e engoli o excesso de saliva que se acumulara na minha boca.
As águas agitaram-se levemente tornando se em breve uma tela que proporcionava imagens tridimensionais.

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