sábado, 7 de fevereiro de 2009

Telmo, o marujo

Uma visita à Ilha do Labor (3ª parte)

Depois de um momento curto de silêncio, cada um dos elementos da família veio despedir-se da matriarca, com respeito mas sem ruído. Colocam-lhe também uma flor no leito.
Irene pediu-nos a todos que não perturbassem Naomi com pensamentos de tristeza e que dirigíssemos somente palavras de encorajamento e consolo. A seguir chamou-me à parte e pediu que a acompanhasse para fora da casa.
Encostados à parede, Irene explicou-me que tínhamos ainda que esperar até que levassem o corpo da sua amiga para a Ilha do repouso. Eu não poderia acompanhar esse cortejo porque só a família e os amigos mais próximos o poderiam fazer. Acatei essa indicação embora houvesse dentro de mim uma curiosidade sobre como faziam o funeral.
Enquanto conversávamos, dirigiu-se a nós um homem bastante novo que pediu nervosamente a Irene para falar com ela.
Irene voltou a apresentar-me como fizera à família de Naomi e perguntou por sua vez se havia algum problema em eu ouvir o que ele tinha para me dizer.
O homem sorriu e disse:
- De modo nenhum! Soube há pouco que a Seguidora aqui estava e portanto vim pedir a bênção da sua presença no primeiro parto de minha mulher.
- E para quando está previsto, jovem? - Questionou Irene.
- Já começou as dores de manhã… é capaz de não ser muito demorado…
- Vamos então, é sempre bom receber mais um neste mundo!
Descemos a vereda a sudoeste ao encontro da praia. A aldeia de pescadores era diferente, as casas encontravam-se muito mais próximas umas das outras e tinham um aspecto menos cuidado. Eram construídas com tijolos minúsculos cor-de-rosa e em vez de telhados tinham terraços que serviam para secar e salgar o peixe. À porta de uma delas encontrava-se uma pequena multidão em ar de festa, esperavam o primeiro grito da criança como era de tradição.
Ao chegarmos, reconheceram Irene e apartaram-se em duas alas deixando-nos passar com ar surpreendentemente feliz.
No meio da sala de qualquer aldeão da Ilha do Labor, existe uma espécie de altar aos antepassados porque acreditam que eles continuam a fazer parte da família e a ajudá-los nas dificuldades diárias. À sua frente, estava uma rapariga sentada numa cadeira especial para poder parir com maior comodidade.
Apesar de tão nova, controlava a respiração conforme a mãe e a sogra lhe indicavam. Algumas mulheres aliviavam-lhe o desconforto, limpando-lhe o suor e massajando-lhe a barriga. Também a animavam com carinho.
Irene abeirou-se da parturiente, fechou os olhos e, acocorando-se foi acalmando as dores com as suas mãos de pluma. Também soprava suavemente sobre o corpo da mulher. Daí a nada, quase sem esforço, nasceu uma menina que gritou bem alto a sua intenção de viver. Foi o pai quem cortou o cordão e foi ele que teve o privilegio de a pegar primeiro ao colo para a colocar logo em seguida no peito da mãe.
Cá fora os amigos e os vizinhos ansiavam ver o novo ser, portanto o pai voltou a pegar na menina para a apresentar à comunidade. Um dos velhos que assistia e que me pareceu ser uma chefe da aldeia, verteu sobre ela uma concha de água do mar e todos aplaudiram com alegria.
Antes de nos virmos embora, Irene deu alguns conselhos aos pais e abençoou-os.
Regressámos então à aldeia de Naomi. Pelo caminho meditei sobre os acontecimentos mágicos a que assistira num só dia. Percebi que os mistérios maiores eram afinal, as coisas mais simples da vida. Ao mesmo tempo, cresceu ainda mais a admiração que sentia por Irene, sobretudo pela sua capacidade de dar, pelo jeito carinhoso com lidava com os outros, pela sua simplicidade com que vivia!
Irene leu os meus pensamentos e com um ar humilde disse-me:
- Não faço mais que o meu dever, Telmo. É esta a minha missão. Em vez de me admirares, tenta seguir-me. É fácil, acredita!
Quando chegamos, os preparativos estavam quase prontos. O corpo estendido numa padiola encontrava-se embrulhado numa mortalha branca e rodeado de flores pequenas e perfumadas. Ao sair, iniciou-se um cortejo e à frente dele, um dos bisnetos tocava em compasso um instrumento parecido com um tambor metálico. Só a família e os amigos mais próximos acompanhavam. Os vizinhos apenas se abeiravam do cortejo e atiram pétalas sobre ele como despedida, desejando uma boa viagem.
Chegados ao porto vi a embarcação que levaria o corpo para a Ilha do Repouso. Irene e eu despedimo-nos da família e voltamos para a nossa ilha.
Pelo caminho pensei:
-Tudo está terminado!
Ao que Irene rectificou:
- Ao contrário, meu querido, está tudo a recomeçar.
Depois, rodeando os meus ombros com ternura, murmurou-me:
- Esta é a espiral da vida!

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