domingo, 15 de março de 2009

Histórias de mim para ti ou Histórias mágicas de reais acontecimentos


O burro

Era uma vez um burro. Um burro que logo à nascença foi separado de sua mãe e levado para um circo.
No circo viviam outros burros como ele, um pouco mais velhos, mas todos espertos e habilidosos.
O burro da nossa história era mais inteligente do que esperto, vivo, alegre, mas tremendamente crítico em relação à vida que levava. Isso criava á sua volta um ambiente tanto de admiração como de indignação.
Ainda o seu pêlo negro de jovem o cobria e, já ele descobrira que para o seu dono lhe dar coisas boas, era preciso que ele obedecesse cegamente, mesmo que não fosse essa a sua vontade! E também percebeu que as suas habilidades sobravam quase sempre porque o número era reduzido e os outros tinham também que trabalhar para que o tratador fosse reconhecido pelo público.
Na sua irreverência, provocava os seus companheiros, adorava escoicinhar para o ar ou fugir para os prados, gostava de se sentir solto para poder olhar os regatos de águas claras, cheirar as flores rasteiras ou simplesmente, trotar sem música e sem ordenança.
Um dia, o burro descobriu que o seu velho tratador se ia embora. Não gostava muito dele, mas era o único senhor que tivera e, por isso, ficou com pena quando o viu partir.
Os donos do circo retiram os burros do espectáculo e venderam-nos a quem os quis na feira de gado, ganhando com isso uma boa maquia à conta dos tais burros reformados.
Foi o nosso burrico então parar às mãos de um camponês brutal que queria fazer dele, uma vedeta, um simples animal de tiro. Para o ensinar, dava-lhe quanta vergastada podia. Ai quanto sofrimento sobre o seu lombo marcado! Ai quantas lágrimas…que os burros também choram…só que baixinho, baixinho, quase às escondidas!
Mas a revolta fazia parte do seu sangue, por isso, roeu a corda que o prendia e partiu para além, para a liberdade que o chamava, onde a voz do Homem o não o magoasse.
Foi já em terrenos florestados que encontrou um cavalo no seu caminho. Admirou-lhe a figura e a história, pois este dizia-se nobre, senhor de muitas aventuras passadas com cavaleiros andantes e campeão de provas de hipismo à mistura. Parecia até ter o poder de adivinhar o seu passado e o seu futuro num simples relinchar e piscar de olho!
O cavalo dizia-lhe que ele podia crescer, crescer tanto que chegaria a ser do seu tamanho. E, qual é o burro que não quer ser do tamanho de um cavalo? Portanto respeitava-o, embora não o temesse. Aprendera já que as hierarquias não são para desprezar, sobretudo se, se anda sozinho nesta vida.
Quando encontravam outros animais, o velho cavalo excedia-se na sua exuberância, abanava as crinas e amesquinhava e insultava o burro à frente de todos. Isto, em nome de o fazer crescer, claro!
O burro começou então a pensar se devia erguer a cabeça e morder-lhe o pescoço, mas depois, pensou melhor e reconheceu que o cavalo era inteligente e sábio, e que apesar de tudo o podia ensinar, portanto deixou-se ficar.
Habituou-se a ouvir calados os relinchos do outro e zurrava para dentro; às vezes de raiva, às vezes de conformação. Pensava: se desmascaro o cavalo à frente dos outros animais das duas, uma, ou eu fico por mentiroso e ingrato pois, a fama dele é maior que o seu tamanho, se o deixo cair em contradição, desgraço o coitado do velho que morrerá de vergonha. Se isso acontecesse, acho que morreria também de remorsos. A vingança é um acto iníquo, próprio dos homens, principalmente se ela se exerce sobre quem já não consegue defender-se. Assim, como assim, prefiro esperar que o fim do cavalo venha serenamente. Afinal, eu que não sou tão sábio como ele, prefiro chegar a velho com o coração leve e sem nada do que me arrependa. De que valerá toda a sua sabedoria se o meu coração for duro e a boca falsa? De que vale ter fama em vida e enterrá-la com o corpo?
E cogitando, o burro, vai caminhando, sofrendo ás vezes, escondendo a verdade para poupar o cavalo. Quem sabe se ele acorda da sua cegueira e descobre os seus erros e seja capaz de baixar os olhos para si?!
A erva é verde e a água abundante, está certo! Mas mais do que a erva e a água, há um azul imenso por cima das orelhas! É por isso que o burro quer conservar o seu coração puro. Quer poder um dia, ao atravessar o prado extenso e plano dos seus sonhos, encontrar um lugar onde os burros e os cavalos sejam todos do mesmo tamanho.

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