domingo, 29 de março de 2009

Telmo, o marujo

Catarina, a incorruptível

Atravessámos um túnel nebuloso que desembocava na escuridão da noite. Fogos-fátuos elevavam-se no ar contrastando com o negro da noite.
Planámos sobre o subúrbio da cidade onde a vizinhança de uma lixeira emprestava um fedor intenso que entrou pelo meu nariz e quase me fez sufocar. Ouviam-se gemidos, gritos e imprecações que magoavam a alma, tudo era desolação, miséria e tristeza. Nunca havia presenciado tanta violência nem tanto sofrimento, as trevas ocultavam os rostos mas eu sentia as suas presenças através da sua respiração ofegante junto de mim. Mãos invisíveis agarravam e arrancavam em desespero as minhas vestes imateriais.
Vultos passavam por mim como fantasmas, vagueando sem destino e desaparecendo numa espécie de becos. Que poderia eu aprender em tal mundo?
Catarina apontou-me um recanto e mostrou-me uma roda de homens em volta de um velho agonizante. Este, estrebuchava com febre e dores, dos seus lábios corria um fio de sangue pastoso e escuro e, os seus olhos, se bem que abertos, estavam secos e cegos!
Com a nossa aproximação, os homens apartaram-se alguns desapareceram, outros permaneceram num misto de curiosidade e desafio. Em todos eles, havia marcas dos seus percursos, golpes, nódoas cicatrizes, e os seus olhares frios deixavam perceber os ódios e rancores. A seguidora não lhes deu demasiada importância, abeirou-se do velho e impôs as mãos sobre ele iniciando o ritual de desprendimento. Apesar der fraco, ele debatia-se agarrando-se ainda à mísera vida e tentava afastar Catarina. Não se lhe reconhecia qualquer sentimento de contrição, pelo contrário, havia como que uma resistência superior às suas próprias forças.
Apesar disso, Catarina persistia em emitir as energias manifestadas em cor, tentando com isso transmitir-lhe alguma paz. Aquela era uma luta do bem contra o mal e, estava a decorrer ante os meus olhos, para que percebesse quão importante era a tarefa de Catarina. Nessa altura tive consciência do embate das forças negativas sobre ela e então, aproximei-me mais e resolvi colaborar fazendo o possível para pôr em prática tudo o que tinha aprendido. Procurei dentro do meu peito os mais amorosos sentimentos, centrei-me no mesmo objectivo de Catarina e, lancei para fora o que de melhor tinha em mim. Um brado enorme ecoou pelo subúrbio, já fora do seu corpo, o velho recuperou as forças e juntou-se à horda e preparava-se para se vingar em nós.
A Seguidora deu-me a mão serenamente e eu, qual cavaleiro defendendo sua dama, enfrentei-os com o ar firme de quem está convicto dos seus actos. Num átomo de tempo foi determinada a vitória e a derrota e eles caíram de joelhos, prostrados e chorando como crianças arrependidas. Algumas silhuetas luminosas surgiram entretanto e encaminharam aqueles homens para um lugar diferente. Suspirei de alivio e compreendi qual a cruzada de Catarina.

Sem comentários: