segunda-feira, 9 de março de 2009

O suspiro de uma cadela


2. Aqui estou eu frente ao rio. Um rio que corre de então para cá e que ao contrário dos outros rios, se esfia na minha direcção como a querer voltar à nascente…

Não sei bem como vim aqui parar, nem tão pouco que lugar é este onde as plantas parecem ter invertido o lugar das suas raízes que, atiram ao ar, guardando ciosas nas covas escuras, as corolas encardidas!
Este é um lugar estranho! Tão estranho que eu tomo até as cores do seu pálido sol, como se ele se quisesse identificar comigo!
O rio não saltita de seixo em seixo como eu já vi em tantos lugares, não, ele parece engolir-se a si mesmo, numa lentidão tão grande que adormece nas margens esburacadas. E as águas? Nem são azuis, nem são verdes e nem são castanhas, antes têm a a cor suja da indefinição.
Estico o meu olhar para lá e não encontro o saltitar da rã nem o borbulhar de um peixe minúsculo. Não vejo mais que um monte de grãos de pedra arrastados pelo sugar débil da corrente.
Os espaços aquém e além das suas margens, são tão planos, tão rasos que o que está longe parece estar aqui e, o horizonte limita-se a uma linha inventada, rasgada e sem cor.
Não há desenhos de caminhos, nem ervas pisadas que indiquem passagens. Apenas tojos e espinheiros espalhados, aqui e ali ao sabor do acaso.
Mas eu cheguei até cá e não sei porquê!
O silêncio é tão grande que entra dentro de mim e aspira todo o resto da minha consciência. Não sei se estou perto ou se estou longe de alguma referência, mas sinto-me embalada no sono e transportada por esse espaço todo aí.
Neste momento, sou o nada. Sem tristeza e sem dor, sem alegria e sem entusiasmo, sei apenas que estou aqui onde nada me roça e sinto-me suspensa na vida…
Nada me servem os meus sentidos agora porque não existe um estilo que os acorde.
Muito francamente, acho que apenas a rebelde de uma interrogação se me atravessa na minha cabeça. Tenho a sensação que tudo evolou no ar, tudo aquilo que conheci antes e que fazia do código aprendido.
Gostava que este rio que observo me levasse à sua nascente onde sorve o seu caudal. Quem sabe se, dentro da escura madre, eu não encontraria a resposta?! Mas não. Nem consigo lembrar-me como deslocar-me. Não me esforço sequer, parece que de repente, me resumo ao olhar vagabundo sobre o rio que sobe, às terras adormecidas, à natureza enlouquecida. Parece que eu própria faço parte disto e, eu não sabia!
Queria adormecer profundamente e sonhar que existe na cidade um recanto qualquer que já me tivesse conhecido para ter saber se estou viva.
Se calhar preferia nem acordar desse sonho, porque esta realidade seria uma ilusão passageira! Gostaria de ouvir a minha voz a ladrar e a ressoar no ar, mas não, estou aqui esquecida de mim na cova do meu corpo sem sentir.
Rio. Rio leva-me contigo! Rio engole-me e deixa que eu cegue e ensurdeça desta vez! Rio, lava-me ou suja-me, tanto faz! Eu quero deixar de ser uma sombra parada no palco das tuas margens. Rio, rio, eu ainda respiro e não sabia!

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