segunda-feira, 9 de março de 2009

Telmo, o marujo

A Ilha do Conhecimento (3ª parte)
A minha ideia de escola em que um mestre declamava e os alunos repetiam, caiu imediatamente por terra. A primeira lição que aprendi foi que todos aprendemos uns com os outros. O Mestre-Tutor orientava-nos, aconselhava-nos e ajudava-nos a sistematizar, tudo o que íamos aprendendo.
Eu era o mais velho dos alunos mas não sabia escrever nem ler, num mundo em que o pensamento é que falava, a escrita tinha que ser forçosamente diferente. Baseava-se em símbolos que representavam ideias e não em sons. A princípio foi difícil porque esses símbolos eram muitos e eu, ainda não estava totalmente habituado a formular os pensamentos sem articular as palavras. Depois com o tempo e quase sem dar por isso, fui memorizando todos aqueles sinais e passei a ser capaz de registar o que fosse necessário. Aprendi também que ninguém era detentor de toda a escrita, esta desenvolvia-se consoante a nossa experiência e à medida que elaborávamos o nosso conhecimento.
Também compreendi logo que o mais importante era reflectir sobre os nossos actos ou atitudes. Por exemplo: se eu estivesse a preparar uma refeição, era questionado sobre a razão da escolha dos alimentos, a quantidade, a forma dos confeccionar, o modo como servir ou o efeito que teria no nosso corpo, mente e espírito. Desta forma eu abordava a matemática, as ciências, a ética e a arte. Nada era feito ao acaso. O Mestre-Tutor só intervinha se fosse necessário, mas a obrigação de perguntar e responder era nossa. Custou-me bastante adquirir esse hábito porque estava preso à ideia que os alunos eram ignorantes e só o mestre é que detinha o conhecimento.
Não estive muito tempo nesta escola, sei que cresci porque as minhas roupas deixaram de me servir e tive que fazer outras. Hugo apareceu um dia e conversou com o Mestre-Tutor sobre o meu progresso parecendo satisfeito.
Conversámos pouco mas soube que ele me iria levar para outra escola noutro local da Ilha, a Escola do Corpo Físico.
Deslocámo-nos a cavalo pois as distâncias entre as escolas eram bastante grandes. Pelo caminho Hugo explicou-me que a Escola que eu iria frequentar dar-me-ia a consciência e a importância do meu corpo físico, pois é através dele que nos expressamos e experienciamos a vida.
Quando chegámos percebi que passaria a viver com os meus companheiros sem qualquer Mestre-Tutor. Partia-se do princípio que éramos suficientemente crescidos para assumirmos a nossa aprendizagem. Havia Mestres mas estes percorriam o espaço e só agiam quando solicitados. Ali, rapazes e raparigas, faziam exercícios físicos que predispunham ao relaxamento, à expressão corporal e a um crescimento harmonioso do nosso corpo. Dávamos muita atenção à higiene, alimentação, vestuário e fabricação de objectos. Cultivávamos plantas e árvores que serviam para nos alimentarmos ou tratarmos as nossas raras doenças. Pescavam-se peixes e moluscos nos pequenos lagos e ribeiros, fiava-se, tecia-se e confeccionava-se a nossa própria roupa e calçado. Ninguém obtinha nada sem esforço pessoal. Era verdadeiramente uma vida sã. Entre nós transpirava-se alegria e amabilidade, aspecto esse muito importante pois aprendemos que mesmo não havendo amizade, era obrigatório ter para com todos delicadeza, generosidade e simpatia.
Foi pois, sem dificuldade que aprendi que ao cuidar do meu corpo, cuidava da minha mente e do meu espírito. Que o alimento e o conforto ajudavam a adquirir condições para o meu desenvolvimento interior e que nada, mesmo nada, do que pudesse considerar trabalho, prejudicava as outras aprendizagens. Pelo contrário, percebi que o trabalho relacionava o homem com o meio e ajustava-o à grande harmonia da vida. Foi muito gratificante compreender que tudo o que eu produzia era fruto da minha inteligência e habilidade. Sobretudo aprendi a distinguir trabalho de escravidão e que a preguiça proporciona sentimentos de angústia e inferioridade, a Escola do Corpo Físico ensinou-me não só a cuidar do meu corpo mas também, do Grande Corpo Colectivo e Cósmico.




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