quarta-feira, 11 de março de 2009

O suspiro de uma cadela



3. Estou toda azul. Sim, azul, aquela cor que cobre todo este pequeno mundo em que vivemos e que nunca sabemos exactamente o que quer dizer.

O azul é um mistério! Como pode uma cor pertencer às maiores extensões que conhecemos e não ser nada? Nada mais que o sobrepor de camadas incolores?
Como pode ela representar o conjunto do nada no todo, de forma tão intensa? Espanto-me, olho a minha pelagem e vejo-me azul, ainda por cima um azul que se retonaliza constantemente…
Esta cor, o azul, tem qualquer coisa de molhado, de fresco, como se nos mergulhassem em líquido. Mas na verdade, estou seca, sinto até o estalar eléctrico dos meus pêlos, ao friccioná-los! Além disso há muitos dias que não saio deste alpendre, (a dona da casa não deve estar cá, senão já me tinha enxotado daqui para fora) não tenho comido nem bebido, dormito aos poucos, um bocadinho de cada vez.
No entanto, estou azul, e como se uma força nova nascesse dentro de mim, apetece-me “dar um girinho” por estas bandas. Oiço uns chamamentos lá longe, mas estou indecisa, não sei se deva ir ou se fique aqui em terrenos seguros pois… esta cor estranha que me cobriu não é certamente tão discreta que não chame a atenção dos homens. Já não digo dos cães porque, para elas, basta-lhes o meu cheiro fêmeo, mas como estou colorida de azul, não tenho a certeza que o meu cheiro continue a ser o mesmo. Se calhar, ganhei o cheiro do mar, do vento, das florwes, eu sei lá!
Realmente há coisas! Só a mim é que me acontecem destas! Nunca ouvi ninguém dizer que um cão ou uma cadela, tivessem mudado de cor de um momento para o outro sem que o homem interviesse!
Espreguiço-me, estendo opostamente os meus membros, o mais que posso e, solto também o maior bocejo de que sou capaz. Tão longo e sonoro que, sinto admiração de mim mesma, fico impressionada. O melhor é esperar pela noite, assim será mais fácil passar despercebida, ninguém reparará na ridícula cor que tomei!
Pode ser que amanhã (será que há um amanhã) volte à simples condição de rafeira cuja pelagem é meio cinzenta, meio castanha, mas que não baralha ninguém. Gosto muito mais de ser vulgar, ter a sombra igual ao corpo, é que ser azul…é tão inquietante…além disso, quero a minha cor, mesmo que seja a mais banal de todas as cores, é a MINHA COR!

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