domingo, 11 de janeiro de 2009

Telmo. o marujo

1. Os meus olhos cor de mar


Acabara de sair da infância e, o mundo parecia-me já apertado. Sabia de portas, mas não como as abrir.
Todos os outros rapazes da minha idade, atiravam-se com fúria para a vida, enquanto eu nada fazia. Quando não tinha aulas, escarranchava-me na muralha do velho porto da minha cidade, deixava-me hipnotizar pelo ondear das águas cansadas, ou perdia-me em sonhos sempre que relia um velho diário de bordo oferecido por um marinheiro, ou ouvia as longas conversas sobre as suas viagens. Talvez eu fosse um navio audacioso numa aventura por iniciar.
Tinha muito poucos amigos. O único a quem podia chamar assim era um velho marinheiro chamado Josias que tinha idade para ser meu avô.
Apesar da nossa diferença de idades, éramos companheiros de espírito, ambos inquietos, entusiasmávamo-nos com as intrigas urdidas pela nossa imaginação. Como se fora um jogo! Cada qual sabia que o que o que contava era a imaginação, uma invenção quase delirante do nosso pensamento. Um caleidoscópio que nos iludia o espírito. Divertíamo-nos e, pelo meu lado, creio que aprendia muito mais do que nas aulas de Frei Rufino da Cruz.
Nunca fui um miúdo bem-mandado nem pacato. Normalmente, acontecia irar-me com tudo e com todos, principalmente comigo mesmo. Aborrecia-me sobretudo o corpo e, quando olhava para o comprimento extravagante dos meus membros, para a estreiteza da minha cabeça encimada de cabelos ruços, espetados em todas as direcções, envergonhava-me. Para já não falar das minhas orelhas largas e salientes que me emprestavam um ar de truão. E essa imagem que tinha de mim, levava-me a ser bastante antipático com a maioria das pessoas.
Josias ouvia as minhas lamúrias e sorria divertido. Não que fizesse pouco de mim, mas porque ele era sábio e sensível. Ouvia-me e depois, pondo um ar de seriedade, sem troça, dizia-me pousando com firmeza a sua mão no meu ombro:
- Sabes, Telmo, a beleza dos homens está na alma. E sendo os olhos, o espelho da alma, posso dizer-te que os teus se confundem com as águas do mar. Às vezes nem sei se são eles que reflectem o mar ou se é o mar que transborda deles!
Quando ouvia aquelas palavras, ficava todo vermelho, senti-as como um elogio e travava a emoção na garganta com um riso nervoso. Não estava habituado a palavras de elogio e aquelas, soavam-me doces e sinceras.
Josias, compreendia o meu pudor e disfarçava com uma cachimbada e uma coçadela nas barbas brancas que lhe roçavam o peito.
Passei a deixar de me queixar àquele homem porque sentia que não era justo amarrotar a nossa amizade com os salpicos do meu egoísmo.
Afinal eu tinha os olhos de mar e convinha continuar a navegar com eles!

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