sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Telmo, o marujo

5. O fenómeno

A tripulação mostrava-se risonha e bem-disposta, pronta a abraçar brevemente aqueles que os esperariam no cais dentro de dias, quando aconteceu algo que fez alterar toda a nossa vida.
Uma neblina densa, arrastada pelo vento, embrulhou-nos repentinamente de espanto. Parecendo vir agarrados às partículas de humidade, sons lentos e musicais, invadiram a atmosfera, como se fosse um cântico tornando-se cada vez mais audível enquanto que, ao mesmo tempo e aos poucos, se desenhava no céu, um anel cor-de-rosa. No centro desse anel uma cor púrpura intensíssima, foi-se alargando, alargando, até cobrir dessa cor única, a abóbada celeste. Tudo parou naquele instante. Era maravilhoso! Fascinante!
Apesar de habituados a observar fenómenos atmosféricos bastante estranhos, os homens estremeceram e, supersticiosos persignaram-se murmurando rezas de esconjuro.
Não posso dizer quantos dias se passaram então ali parados, porque o sol, a nossa referência, estava escondido naquele céu invulgar. O medo foi crescendo a tal ponto que foi pedido ao capelão que dissesse missa e que exorcizasse o fenómeno. Houve quem recordasse e ressuscitasse as velhas lendas de sereias e os consequentes naufrágios. O pânico instalou-se. Iniciou-se uma confusão como eu nunca vira, ouviram-se gritos e gemidos por todo o lado, depois, quase de uma hora para a outra, os marinheiros foram caindo num mutismo doentio.
Com o tempo, o céu tornou-se todo ele violeta enquanto do mar chegava um aroma doce e inesquecível que parecia ter sido espalhado nas águas. As aves que cruzavam o espaço, ficavam como que paralisadas com as asas abertas, como silhuetas! O fenómeno criou um efeito hipnotizante em quase todos os homens, incluindo o comandante, fazendo-lhes perder o juízo. Uns tornaram-se inânimes, outros violentos. Havendo muitos que se atiraram num desespero horrível para o mar sem que alguém conseguisse salvá-los.
Apenas eu e Bartolomeu parecíamos imunes à loucura colectiva que se havia instalado na tripulação.
Na tentativa de resgatar um dos homens, o meu imediato, desequilibrou-se e caiu ao mar. Ainda tentei salvá-lo lançando-lhe uma bóia mas, ele foi engolido imediatamente pelas águas. Foi então que me apercebi que ficara sozinho rodeado de cadáveres mortos e cadáveres vivos e, tive medo. Não um medo como o deles, mas um medo real por me saber perseguido por homens desvairados e não estar preparado para conduzir o navio. Corri assustado para a amurada e avistei então ao longe uma pequena embarcação que parecia dirigir-se para o navio. Excitado, gritei com quantas forças tinha:
- Venham buscar-me! Estou aqui!
A embarcação não trazia pavilhão e a sua forma não me lembrava nenhuma que já tivesse visto. Durante o tempo que demorou a chegar deixei de ouvir os cânticos, se calhar porque já me havia habituado a eles... de qualquer maneira pareceu-me que havia uma ligeira diferença na atmosfera...
Entretanto, um dos meus camaradas, em delírio, ateou fogo ao barco e vi-me de súbito rodeado de chamas e fumo. Senti que ía morrer ali se não chegasse a tempo de ser salvo por aquele barquito a remos. Tudo parecia estar a passar-se de um modo muito lento... acabei por desfalecer.

O que se passou a seguir, não sei, porque só me recordo de dois homens me olharem com carinho e de me terem embrulhado numa manta e deitado no fundo do bote enquanto outros dois remavam em direcção oposta à do navio.
Tentei falar, mesmo assim naquele estado de choque, queria agradecer terem-me resgatado. Mas os homens olharam para mim de uma forma natural como se estivessem habituados a fazer salvamentos todos os dias. Não os ouvia conversar, nem mesmo entre eles, embora se olhassem e se entendessem perfeitamente. Um deles, tocou-me com a sua mão na testa e senti uma paz imensa. Nessa altura acreditei sinceramente que estava morto e que provavelmente me estariam a levar para o paraíso. Adormeci profundamente.

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