segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Telmo, o marujo

5.Mãe Irene (1ª parte)

Durante alguns dias andei estranho. Ora me angustiava, ora ficava inexplicavelmente alegre. Nenhum dos Seguidores se mostrou admirado com esse comportamento. Continuavam a tratar-me com delicadeza e simpatia.
Eu entretanto ia-me habituando àquele lugar e ao modo como ali se vivia.
De vez em quando pensava nas palavras de Daniel e, sempre que o fazia, mais perguntas nasciam no meu pensamento. Ninguém me respondia a elas já que no meu íntimo, eu as fazia para mim mesmo. Não em direcção a eles, portanto nenhum me respondia. Às vezes parecia que se me abriam fendas profundíssimas na mente, como se tudo o que eu considerara definitivo, se esfumasse. Havia como bolsas de vazio…espaços em branco para cobrir… nesses momentos, sentia-me só, realmente só! Meio perdido num mundo desconhecido!
No entanto, em certas alturas, parecia-me que alguns dos rostos que me rodeavam eram-me conhecidos, embora não me lembrasse de onde, nem de quando os conhecera. Por isso sentia aqueles sentimentos que tanto me levavam à tristeza como à alegria. Os pensamentos escorregavam de tal forma que pareciam feitos de água sobre a minha cabeça.
Segui o conselho de Daniel, procurava o jardim para estar a sós e pensar, ou melhor, para tentar agarrar cada um desses pensamentos e tentar compreendê-los.
Um dia, estava eu debaixo de um carvalho sem idade, meditando sobre a relação da minha vida com o que se estava a passar, quando me cansei de disciplinar os meus pensamentos e adormeci.
O meu sono foi agitado, cheio de sonhos confusos. Vi-me vestido de corpos diversos, representando papeis diversos. Ora me via como escravo, ora como senhor de terras, ora como frade, ora ainda, como uma mulher. Uma mulher desesperada, atada a um poste sobre uma pilha de lenha que ardia. O sonho era tão real que me ardiam os olhos e sufocava com o fumo, que sentia a queimadura das chamas e a dor intensa que elas me provocavam. Comecei então a gritar: - Estou inocente! Estou inocente!
- Schiu, calma pequenino!... – Sussurrou uma voz meiga junto ao meu ouvido.
Acordei então sacudido por um choro convulso e fui abraçado pelos braços macios da Seguidora Irene.
- Que sonho horrível, Irene!
- Que se passou? Em que estavas a pensar antes de teres adormecido? Tem calma, meu filho, está tudo bem!
- Acho que estava a pensar na conversa que tive com Daniel, um dia destes… há coisas que são difíceis para mim entendê-las e, vim para aqui pensar nelas! Foi ele quem me aconselhou a procurar o jardim para reflectir nas suas ideias!
-Hum, hum! Mas afinal o que é que te perturbou tanto? Lembras-te qual era a questão em que estavas a pensar antes de adormecer?
- Acho que foi… essa coisa de se ter muitas vidas numa só vida, dos familiares só durarem algum tempo, de ter que subir sozinho as escadas do progresso…
- O Seguidor falou-te da Lei, não foi?
- Foi.
- E isso, atormenta-te, assim tanto?
- Oh, Irene, é que eu de repente fiquei sem saber quem sou! Não percebo porque errei nas outras vidas e, que erros cometi…não sei a quem devo nesta vida!
- Serena, meu menino, eu te explicarei o melhor que puder de modo a compreenderes, está bem?
- Está - Respondi eu quase a chorar outra vez.
- Então agora, antes de tudo, vais comer e beber alguma coisa para te refazeres. Vem comigo que eu te ensino a colher um verdadeiro manjar.

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