quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Telmo, o marujo

4. No Boa Nova


E deram-me o nome de Marujo.
Em pouco mais de um ano tornara-me num rapaz desembaraçado e bem-disposto, adaptado completamente às rotinas e tarefas. Para além de gajeiro, também esfregava as tábuas e fazia tudo o que me era pedido.
Todos os meus camaradas me respeitavam e acarinhavam, surpreendiam-se que em tão pouco tempo, tivesse aprendido tanto e tivesse tanto jeito em lidar com eles. Bartolomeu que se tornara quase meu tutor em nome da amizade comum que nos unia a Josias, incentivava-me muitas vezes para animar os mais desmoralizados ou, para sossegar os mais inquietos.
-“Vai, Telmo, vai falar com “Jonas”, está tão velho e doente que não voltará a embarcar!”- dizia ele, aproveitando o carinho que “Jonas” sentia por mim.
E, lá ia eu, falar-lhe dos meus projectos, dos meus planos para futuras viagens, dizia-lhe que precisava dele para me ensinar, e ele, sorrindo, puxava das forças e arribava.
Penso que a maioria me via como filho, irmão mais novo e até, como neto, sem querer, eu suavizava aquela dureza que os homens habituados às dificuldades costumam mostrar para esconder os seus verdadeiros sentimentos.
Nessa altura não compreendia porque é que havia marinheiros que não gostavam do mar, que estavam ali só para ganhar dinheiro ou por estarem a cumprir penas. Para mim o mar era um paraíso, não tinha medo dele. Sabia que para lá do horizonte havia mundos diferentes por descobrir. Sabia que o mar era uma estrada larga que me levava a um fim qualquer; uma praia, uma costa, qualquer outro pedaço de terra... era essa estrada que eu amava! As surpresas, os riscos, faziam parte dessa aventura. Era pelo imprevisto e pela descoberta que eu sentia a paixão, e também, porque secretamente eu sentia que estava destinado a ver revelados mistérios maiores.
Eu adorava o mar, pensava que ele era demasiado maravilhoso para servir de castigo a alguém. Não entendia o medo que sentiam dele (como se em terra firme os perigos fossem menores!), quando os ouvia contar histórias medonhas de monstros marinhos, de vagas arrasadoras, não conseguia evitar um sorriso discreto. Não porque me considerasse mais esperto do que eles, mas porque descobria os meus camaradas, homens feitos, com almas infantis e cheias de candura. A verdade porém, é que eu não podia retorquir pois, a minha experiência era muito pequena ainda!
Passavam os dias, as semanas, os meses, e eu, continuava a ir à noite ou quando estava livre, para o cesto da gávea ou para a proa. Ali os meus olhos perdiam-se nas águas azuis, verdes ou cinzentas para as apreciar. Encantavam-me as águas que pareciam dormir, respirar, e às vezes até, fazer birras quando espirravam espuma contra o costado e gingando perigosamente o navio.
Apesar de já ter experimentado calmarias e tempestades, sentia que nada de grave punha em risco a minha vida ou o meu namoro com o oceano.

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