terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Telmo, o marujo

5. Mãe Irene (2ª parte)
Irene convidou-me para ir com ela, torneámos alguns dos caminhos e abeirámo-nos de uns arbustos muito engraçados; da mesma planta, despontavam pequenas bagas cor de mel, vagens verdes riscadas de amarelo, e flores brancas muito parecidas com as flores das nossas abóboras. Seguindo o seu exemplo, comi as bagas que me pareceram ter um sabor agridoce e as vagens que sabiam a pão de milho. No fim de me ter saciado com estas iguarias, peguei numa das flores e chupei cada uma das suas pétalas que me refrescaram agradavelmente. Foi uma refeição divertida, pois uma das coisas que mais me interessava naquela idade, era descobrir sabores, cheiros, cores, sons e texturas. Sentia um apelo enorme em exercitar todos os meus sentidos!
Enquanto comíamos, conversávamos sobre as sensações que íamos tendo. Nunca tinha pensado quão interessante podia ser falar daquilo que experimentava. Irene era uma excelente mestra, sabia orientar e levar-me a descobrir conceitos como se fosse um jogo, um divertimento!
Depois, sentámo-nos na relva e muito mais à vontade, pousei a minha cabeça no seu colo. Era tão repousante que me senti quase um menino pequenino com direito a usufruir cuidados maternais. Estivemos calados durante muito tempo, nesse período pude pôr em ordem as minhas ideias.
Irene era uma mulher grande em tudo, o seu colo fazia lembrar um ninho forrado de ternura. Tinha a pele castanha macia, quente e perfumada. No rosto arredondado, os olhos negros cintilavam e falavam com uma linguagem que entrava ternamente no coração. A boca apresentava quase sempre um sorriso meigo.
Reparei que a via escolhida por ela, era a do Serviço porque trazia, tal como Helena e Daniel, um cristal pendurado na testa. O cristal de Irene assemelhava-se a uma lágrima de solidariedade por todos aqueles a quem protegia.
Pela primeira vez, sem ter que fazer qualquer esforço, deixei que a minha voz se soltasse de dentro para fora:
- Irene, porque que tem que ser assim? Porque é que os homens só aprendem com a dor?
- Com a dor? Oh, meu filho, a dor é apenas um dos meios de aprendizagem, ela tem apenas a intensidade que cada um pode suportar! Mas também se aprende com o trabalho, a beleza, a alegria e, sobretudo meu querido, com o amor!
Tudo tem que ser bem doseado para não haver desequilíbrios.
Se a dor fosse o único meio, os homens tornar-se-iam empedernidos, indiferentes. A dor só serve quando se está disposto a entendê-la. Os outros meios ajudam a compreender o lado forte, belo e sólido da vida. Com eles, constrói-se a doçura e a gratidão, principalmente a crença profunda nos objectivos a atingir.
Quando Daniel te falou na Lei, foi para que percebesses que existe uma justiça em tudo o que nos rodeia. Nada se colhe sem sementeira, mesmo num mundo tão agraciado como o nosso! É muito difícil de entenderes isto?
- Não, dito assim, não é. Mas… Irene, porque não temos nós consciência de todo o nosso passado? Porque nascemos esquecidos dele em cada vida? Deste modo caímos nos mesmos erros, não é?
- Isso acontece para que possamos começar de novo, como se acabássemos de acordar. Embora não os esqueçamos totalmente, dentro de nós existe a consciência do que devemos fazer para corrigir cada um dos nossos defeitos ou crimes de outras passagens pelo mundo material. No entanto, o passado é pouco importante se já formos capazes de decidir o futuro, de transpor os obstáculos, um a um, com a certeza do que fazemos. Não convém negar os erros anteriores porque eles fizeram parte da aprendizagem. Imagina que te recordavas de tudo. O mais natural era que tentasses esconder os teus aspectos negativos por vergonha, ficarias tão preocupado com eles que deixarias de investir nas tuas qualidades ou agirias apenas em função deles.
Tal como os pais esquecem as diabruras dos filhos, dando-lhes constantemente a possibilidade de se regenerarem, Aquele que nos criou também assim faz!

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