domingo, 18 de janeiro de 2009

Telmo, o marujo

2.Helena, a mediadora

Quando abri os olhos não sabia se era manhã ou tarde porque a luz que entrava no meu quarto, rosada quase cor de malva, me confundia. Mas sentia-me tão confortável que aproveitei uns momentos para saborear e observar com mais atenção o quarto em que estava.
Não era muito grande, nele apenas cabiam a minha cama, uma pequena arca e uma mesa oval com um banco incorporado. As cores das paredes faziam lembrar madrepérola, muitíssimo suaves. Não havia lanternas nem velas pois a iluminação era feita através de uma vigia que filtrava a luz conforme a necessidade, como posteriormente vim a perceber. Senti-me um privilegiado!
Por fim levantei-me e pousei os pés no chão, percebi que aquilo que julgava ser mosaicos não era, mas sim, um material macio, tépido e maleável. Dei dois ou três saltos só para sentir o amortecimento.
Acabei por decidir vestir-me e encontrei a roupa dentro da arca que cheirava a maçãs misturadas com canela. Já estava pronto para sair quando surgiu à porta a doce Helena. Trazia nas mãos uma bandeja com a minha primeira refeição do dia; fruta, água e um pão feito de cereal amargo que com a mistura dos outros sabores ficava com um gosto muito curioso. Saciei-me por completo!
Enquanto comia, Helena falou-me do Arquipélago do Ocaso.
Este, era formado por quatro ilhas principais e mais meia dúzia de ilhéus que não sendo habitados, eram contudo aproveitados para armazéns ou estaleiros; a Ilha dos Seguidores ficava no centro, ligeiramente ao lado, ficava a Ilha do Labor. Estas duas ilhas devido à proximidade eram ligadas por uma ponte. Depois, rodando um pouco para esquerda, a Ilha do Conhecimento, que pelos vistos, era muito montanhosa e por fim, um pouco mais afastada, situava-se a Ilha do Repouso onde ninguém vivia devido ao seu solo ser extremamente ácido mas, que era utilizada como cemitério para os habitantes das outras ilhas. Helena prometeu-me que as conheceria a todas, uma por uma, quando chegasse a altura, mas que naquele momento deveria iniciar a minha instrução.
Percorremos depois um corredor que desembocava num átrio onde umas escadas davam acesso a um jardim. Era engraçado! Todos os caminhos estavam marcados por lajes que faziam lembrar mármore azul e branco e de cada lado havia canteiros de mil flores muito bem cuidados, parámos por fim junto a um miradouro donde se podia enxergar o mar violeta e as ilhas de que Helena me falara. Só aí tive a noção que as ilhas do arquipélago formavam uma espiral que crescia no sentido oposto ao dos ponteiros de um relógio. Centenas de pássaros voltejavam em nosso redor lançando os seus trinados e guinchos. Nos campos em baixo, reparei numas quantas corças que saltitavam em plena liberdade, completamente à vontade, como se soubessem que ninguém lhes faria mal. Cascatas e ribeiros cantavam por entre as pedras dos montes traseiros. Fiquei deslumbrado! De tal modo que me convenci, mais uma vez, estar no Paraíso. Helena lendo esse pensamento desatou a rir, deu mesmo uma sonora gargalhada, e o seu riso imprevisto fez-me corar de emoção.
O passeio pelo jardim ainda se prolongou durante quase toda a manhã, enquanto isso, Helena fez-me perguntas sobre mim a que eu respondi natural e confiadamente. Ela parecia entender tudo o que eu sentia e não criticava nenhum dos meus sonhos ou sentimentos. Acabamos por nos sentar na relva e ela tirou da cintura um pequeno saco onde trazia a nossa merenda. O gosto da aventura ficou presente, pois cada alimento tinha um sabor diferente. Era uma provocação ao meu apetite de adolescente em crescimento. Comi tanto que fiquei cansado, encostei-me a uma pedra de barriga para o ar e inspirei satisfeito aquele ar tão puro. A meu lado, Helena, passou os dedos pelos meus cabelos e disse meigamente:
- Anda lá, pergunta o que queres, não tenhas vergonha!
Sobressaltei-me, ainda não estava habituado a que me lessem os pensamentos, ainda por cima eles estavam em tal turbilhão que nem eu próprio sabia como ordená-los!
Inspirei profundamente e comecei a perguntar, mais ou menos conforme me vinham as questões à ideia?
- Helena, quem governa este Arquipélago? É um país independente, não é’
- Não nos organizamos em países, fazemos parte de uma unidade universal mais abrangente. Que por sua vez faz parte de um centro de projecção energética. Sabes, o Universo invisível aos olhos dos seres terrenos, tem múltiplos centros de projecção energética e as unidades universais de cada um, permitem a evolução dos seres que neles vivem, de modo a que progridam e desenvolvam.
- E há leis? As pessoas têm que obedecer a regras? Ou já estais tão avançados que sabeis exactamente como deveis agir?
- Claro que há! É sempre necessário numa organização haver normas de conduta! Até porque, no nosso mundo, também existem aqueles que se desviam dos seus deveres!
- Nesse caso, o que lhes acontece quando prevaricam?
- Depende, podem ser apenas chamados à atenção, ou então, em casos raros, são obrigados a um período de reeducação.
- Em que ilha?
- Não é numa ilha, eles passam para outra unidade universal com uma frequência energética menos sublime. Em casos muito raros, podem até ter que atravessar o plano e passar a viver no teu mundo.
- Deve ser muito perturbador, passar deste modo de vida para o nosso onde há tanta injustiça, dor e guerra! Aqui não há guerras, pois não?
- Não, isso não! As nossas divergências não nos levam a tanto! Quem vive neste plano já ultrapassou esse tipo de comportamentos.
- Então, qual é afinal, a função deste Arquipélago?
- Meu querido, cada ilha tem uma função. A Ilha do Labor, sendo a mais fértil e a maior, foi escolhida para a produção daquilo que é essencial; os alimentos, as fibras têxteis, os metais, os objectos de uso diário, etc. A Ilha do Conhecimento, por ser a mais inacessível e montanhosa, favorece o refúgio e a concentração, por isso foi adaptada ao estudo. É lá que se reúnem as Escolas de Iniciação e os Grandes Centros de Desenvolvimento. A Ilha dos Seguidores é quem dirige as outras através da aplicação dos conhecimentos intelectuais e espirituais dos seus Seguidores que foram preparados para isso e põem em prática tudo o que aprenderam para a realização dos seus raios ou vias. No entanto não julgues que essa actividade nos dá mais poder, pelo contrário, o nosso Serviço deve ser humilde e isento de quaisquer benefícios especiais. A Ilha do Repouso, como já sabes, é inabitada pois não tem condições para o ser devido à falta de água e ao seu solo ser demasiado ácido. Assim, todos os habitantes sentem que fazem parte de um todo, partilhando, cada um, as suas responsabilidades e direitos. Não há razão para haver conflitos!
- Ah! Então é por isso que as ilhas têm o nome conforme o que lá se faz!
- Sim, é uma maneira simples de ver as coisas...
- Como é que as pessoas escolhem o seu modo de vida? Também vão à escola e aprendem artes e ofícios? E tu, como te tornaste Seguidora?
- As crianças começam por ser criadas e educadas nas suas respectivas famílias mas, quando atingem alguma maturidade, são enviadas às Escolas de Iniciação onde aprendem tudo o que as suas capacidades permitem. Quando atingem o domínio das técnicas que lhes serão necessárias para que essa escolha seja inteiramente livre, preparam-se para o seu papel nesta sociedade. Aquelas que provem ser dotadas de um espírito mais avançado, continuam os estudos nos Grandes Centros de Desenvolvimento, onde são altamente treinados nos mistérios mais profundos e é lhes imposta uma rigorosa disciplina que permite dominar o corpo, a mente e o espírito. Só depois decidem a via ou o raio a seguir, fazendo-o com consciência e convicção.
Fiquei de boca aberta. Então os Seguidores não eram uma espécie de sacerdotes obrigados a viver de orações e rituais?
Helena esclareceu-me:
- Não, Telmo. Os sacerdotes do teu mundo, na maior parte das vezes nem têm consciência do poder das orações que recitam nem da utilidade dos seus rituais, limitam-se a representar um papel que lhes foi ensinado. Nós, os Seguidores, temos uma função esclarecida e trabalhamos de forma a intuir as ideias e a transformar para o bem o pensamento daqueles que dependem de nós.
Por certo, já ouviste falar de homens que pelas suas concepções revolucionaram todo o saber de uma época e que foram chamados de sábios! Porém, poucos sabem que esses homens foram apenas tocados pela Sabedoria e pela Luz dos Seguidores.
- Nesse caso, se eles receberam de vós essas mensagens, e apenas as transmitiram sem saber que foram escolhidos para o fazer, qual é a sua responsabilidade?
- Se foram escolhidos é porque tinham qualidades para isso. Também acontece, se bem que raramente, que um dos Seguidores aceite voluntariamente uma tarefa no teu mundo, assim ele terá que renascer nele e trabalhar nele como qualquer outro cidadão.
- E como os reconhecemos se são iguais aos outros? Como os devemos reverenciar?
- Não é aos homens que deveis prestar culto mas sim às suas ideias. Eles jamais procuram a fama ou a glória, limitam-se a cumprir o que definiram nos seus projectos de vida.
- Falas em vias ou em raios de conhecimento, explica-me o que são, por favor. E já agora, que via segues tu para que sejas aquela que mais atenção me dá?
- Há três vias principais: a do Serviço, a do Conhecimento, e a da Fé. Eu sigo a primeira, sou uma espécie de mediadora entre o teu mundo e o meu, por isso me compete receber-te e preparar-te para o compreenderes. Não gostas da minha companhia? - Perguntou ela sorrindo maliciosamente.
Fiquei desorientado e, meio engasgado, respondi à pressa:
- Gosto. Oh se gosto! És tão linda! Tão bondosa! Nem pareces real, pareces mais um anjo!
- Ah como estamos longe de o sermos!
Observei-a com atenção e timidamente estendi a minha mão tocando-lhe no rosto. Senti através do meu braço e em seguida por todo o meu corpo, uma inexplicável alegria. Não me contive e gritei de prazer. Era tão excitante o que sentia! Helena também se riu, pelo menos foi o que me pareceu porque a vi ainda mais resplandecente e luminosa!

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