terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Telmo, o marujo

3. A negociação

Não foi fácil chegar a acordo sobre o meu engajamento no Boa Nova.
Para o meu pai a vida tinha apenas três actos: investir pouco, ganhar dinheiro e guardá-lo.
O comércio de panos a que se dedicava, era um negócio de família, herdado de um tio-avô tão ou mais sovina do que ele. Sempre pensara que os filhos haviam nascido para o servir e por isso os obrigara a trabalhar desde muito novos na loja. Quanto a mim, reservara-me a função de guarda-livros porque era o último e, porque em parte, considerava que eu aprendia muito bem tudo o que me ensinavam, principalmente o cálculo e a lógica. Quanto ao meu irmão antes de mim, o João, ninguém podia contar com ele, porque nunca conseguira viver perto da realidade, era uma espécie de peso-morto para o meu pai.
Foi por essa razão que quando Bartolomeu lhe falou na possibilidade de me embarcar, ele se fez rogado. Alegou primeiro que essa não era a tradição da família, depois queixou-se do dinheiro que estava a gastar nos meus estudos e perguntou ainda, quem é que o compensava. Assim mesmo! Sem mais rodeios, porque o meu pai era frio e calculista e não tinha que disfarçar perante aquele estranho.
Bartolomeu, com um sorriso sábio, encarou-o e contra-argumentou. Abriu-lhe o apetite pelo que ele mais gostava, o dinheiro. Lembrou-lhe que para um futuro homem de negócios seria muito útil o conhecimento de outros mercados, a forma como se comercializava com outros povos, a variedade de artigos e produtos. Que dessa maneira, o negócio poderia expandir-se muito mais e que o nome da sua família seria prestigiado em qualquer ponto do mundo.
De facto o espírito de cobiça e ambição do meu velho, borbulhou e veio ao de cima. Além disso os meus três irmãos mais velhos, corroboraram com os argumentos de Bartolomeu, embora, claro, por motivos diferentes.
Gil e Henrique tinham herdado do meu pai a ganância e a ambição. Invejavam-me, e com alguma razão, porque eu nunca fora obrigado a trabalhar na loja.
Revoltavam-se porque eu andava solto como uma gaivota depois das aulas e ninguém me prendia. Portanto a minha partida podia significar duas coisas desejadas por eles; menos um herdeiro e, com sorte, uma indemnização se eu perdesse a vida ao serviço da companhia.
Bernardo, ao contrário dos outros, sempre fora uma espécie de meu protector, acho que no fundo admirava a minha rebeldia e independência e via, tal como Bartolomeu, uma oportunidade de eu melhorar a minha vida. Creio mesmo que lá no íntimo, também gostasse de partir dali.
Finalmente o consentimento foi obtido. Ficou acordado que a minha família receberia a quantia devida pelo meu trabalho, na sede da companhia que se situava no porto. Bartolomeu, também se comprometeu a que se houvesse qualquer acidente, o meu pai seria ressarcido através de uma espécie de seguro.
A minha mãe nada fez para contrariar o meu pai, primeiro porque as decisões dele eram sagradas e depois porque tinha João, a quem ela se dedicava inteiramente. Para mais, segundo o meu pai, o negócio não ia lá muito bem, os lucros tinham decaído desde que a nossa cidade tinha adoptado um negociante dos Países Baixos que recebia directamente mercadoria muitíssimo mais valiosa do que a nossa. O meu pai, tinha mantido teimosamente os mesmos artigos com a desculpa que as rendas e os brocados não vestiam toda a gente. Ora, esta atitude era secretamente criticada pela minha mãe porque o que ela mais desejava era subir na escala social e com os artigos que o meu pai teimava em vender, nunca se sairia da cepa-torta. Com a ideia de um dia eu vir a ser um rico mercador de coisas finas, também se via mais tarde a lidar com gente de mais valor. Logo quase que me enxotou dali para fora.
Sendo assim, dois dias depois saí de casa da família sem grande angústia. Ninguém se veio despedir de mim ao cais. Apenas contei com o meu velho amigo Josias, que na hora do embarque, me abraçou muito comovido. Tanto, que me colocou uma medalhinha de Sant’Telmo, padroeiro dos marinheiros, ao peito. Quando desfiz o abraço, corri para a prancha e acenei-lhe com uma mão enquanto com a outra, limpava disfarçadamente a única lágrima que a minha partida merecia.

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